quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Cia. Melhoramentos: 120 anos passados em branco

Imagem que representa o reflorestamento
no início do século XX
Quando soube que a Companhia Melhoramentos fez 120 anos, no início de setembro, fiquei inconformada. Em mais de 20 anos trabalhando em comunicação corporativa, acompanhei tantas ações ligadas a datas comemorativas, que perdi as contas. Geralmente, as empresas celebram anos cheios com funcionários, acionistas, clientes, fornecedores e comunidades no entorno de suas unidades.
Ao fazer isso, reforçam seus valores, sua cultura, sua história. Demonstram que, verdadeiramente, têm responsabilidade social e valorizam seus públicos de relacionamento.
Mas, por aqui, em Caieiras, cidade que surgiu, se desenvolveu e cresceu graças à Companhia Melhoramentos de São Paulo, nada aconteceu.
É sabido que existe uma relação de amor e ódio entre empresa e cidade ou cidade e empresa. Mas isso deveria ficar apenas por conta de aspectos políticos e econômicos. Mas, jamais no humano ou histórico.
Quantas e quantas famílias caieirenses têm sua história de vida ligada à Melhoramentos? Infelizmente, a minha não, pois nasci na Cresciuma, meu pai foi um operário do setor de plástico e trabalhava em São Paulo. Só que convivi e convivo com várias pessoas que nasceram ou cresceram no Monjolinho, na Fábrica, no Barreiro, na Rua dos Coqueiros, Vila das Cabras, no Charco Fundo ou em uma das outras vilas erguidas em torno das unidades fabris da Melhoramentos.


Cidade de primeiro mundo
Os mais jovens, hoje, nem imaginam que em volta da fábrica de papel existiu, um dia, mais de uma centena de casas, com tijolos à vista, bem ao estilo alemão, onde os funcionários moravam sem pagar aluguel. Nem fazem ideia que existiram três clubes, com salão de baile, campo de futebol, que recebiam centenas de pessoas de São Paulo, em  festas elegantes e torneios de fim de semana. Também havia mercearias, farmácias, escolas, cinema. Sim, havia CINEMA para o entretenimento dos operários da Companhia. Havia, ainda, igreja, capela e cemitério. Um bonde levava as pessoas da Estação Ferroviária para as dependências da empresa e para várias das vilas. Enfim, no entorno da Companhia Melhoramentos cresceu uma grande cidade, com infraestrutura de primeiro mundo.
Cia. Melhoramentos - Fábrica de papel - 1960
Parte disso tudo existiu até a década de 1970 e foi acabando totalmente até o início dos anos 90.
E o que aconteceu com tudo aquilo? O que aconteceu com os irmãos Weiszflog que só são conhecidos pela grande maioria da população de Caieiras, porque dão nome a três escolas públicas? Uma delas nem sei se ainda existe.


Com a emancipação o começo do fim
O que aconteceu com a Companhia Melhoramentos que, durante anos, foi a maior empresa de papel da América Latina? O que seus administradores fizeram? Por que acabaram com toda a história que fez Caieiras surgir no mapa?
E por que tanta falta de respeito, ou consideração, do poder público com essa empresa, com essa história? Por que só pressão e nenhuma parceria?
Não sei a resposta, porque não investiguei o assunto. Mas, para mim, desde a emancipação política de Caieiras, em 1958, percebe-se um movimento gangorra: a cidade cresce e a Melhoramentos se afasta da vida e rotina da população.
Olhando para esse período, vejo a ambição e o interesse em transformar florestas em empreendimentos imobiliários vagabundos, baratos e sem a mínima estrutura para seus moradores. Vejo a degradação da cidade. E o que é pior, com total aval do poder público.
De 1958 para cá, surgiu uma nova cidade que desejava ser independente da Melhoramentos. Mas, para tanto, socou seus moradores em trens lotados para seguirem para São Paulo, em busca de trabalho. Caieiras conseguiu crescer sem a Melhoramentos, mas se tornou uma cidade dormitório e sem identidade, sem charme, a periferia da periferia. 
E é assim que continua a crescer, de qualquer jeito, e a tratar de qualquer jeito pessoas e empresas que aqui tentam se estabelecer. Infelizmente, não criam mais vínculos e, por isso, não se sentem parte, nem tampouco responsáveis pela cidade.


Como podem ignorar 120 anos de história?
Voltando ao começo de tudo, 1890, ainda me pergunto: como os executivos da Melhoramentos puderam desprezar 120 anos de história ligada à Caieiras?
Como puderam ignorar uma história que, há mais de um século, já trazia um exemplo de desenvolvimento sustentável tão falado atualmente?
Sinto por essa data, tão importante para a Companhia e para Caieiras, passar assim... tão despercebida.

6 comentários:

Altino Olimpio disse...

Beleza esta tua explanação sobre a Cia. Melhoramentos escrito por quem nasceu na Cresciuma e conviveu com os melhoramentinos. No jornal "A Semana" Caieiraspress em História e depois Caieiras Antiga você encontra textos sobre essa nossa região e esta tua reportagem sobre os 120 anos da Cia. bem que também poderia estar nesse jornal. Gostei muito.
Altino Olimpio

Unknown disse...

Muito bom Isabel.... parabéns...

Unknown disse...

um abraço Altino...

Anônimo disse...

Ola...gostei muito da suas narrativas...no face temos um grupo de saudosistas da época...sera bem vinda para visitar...obrigado.
Tiago Pansutti
Amigos da vila leão e fábrica,caieiras.

Unknown disse...

Que saudades desse lugar, morei lá nos últimos anos de existência do bairro, a partir de 71 até 88.

Anônimo disse...

Saudações Isabel Cristina,
Parabenizo sua postagem oportuna de forma arguta e objetiva respaldada em uma linguagem castiça, trouxe para muitos uma compreensão mais elucidativa no contexto o embrionário de Caieiras e a interferência da Companhia Melhoramentos de São Paulo.
Em minha adolescência, residindo sob o domínio da Melhoramentos, filho de funcionário e testemunha de momento de rara felicidade em que nos proporcionaram pela normatização à seus empregados.
Em minha recordação nesse período, no tocante a saúde foi extremamente importante a assistência hospitalar aos seus funcionários e, para uma possível solução emergencial havia um devotado farmacêutico chamado Victor da Silva Teixeira.
Peço vênia para esta postagem que também se encontra no jornal “A Semana”

UM FARMACÊUTICO DEVOTADO
Não, não tio Vito, dói muito! Não doto Vito, isso eu não gosto, eu não quero! Mãe me ajuda, é ruim, dói muito.
Isto era a reclamação das crianças, além de um berreiros e choros altos clamando por seus pais imediato socorro, sem compreender a urgência de uma necessária aplicação de penicilina na época, tão eficaz no tratamento de doenças infeciosas que certamente poderiam ceifar suas vidas precocemente.
Não se deixa de mencionar “as crianças adultas” que longe de um atendimento médico pela dificuldade de encontrá-lo, (o tempo é vital no combate a moléstia) confiavam plenamente em suas palavras, seus conhecimentos e os medicamentos que o farmacêutico, Victor da Silva Teixeira receitava.
Este notável farmacêutico manipulava medicamentos e nem sempre estava a disposição os ingredientes necessários para a precisa fórmula, o que impunha recorrer a capital do Estado para comprá-los. A rapidez lhe dizia respeito pois tratava-se muitas vezes de incontroláveis dores e possível vida.
Percebi muitas vezes sua paciência inesgotável e desprendimento em aplicações via endovenosas cujos pacientes em muitas oportunidades não tinham iluminação desejada e também por idade avançada, impunha um trabalho estafante a procura de sua sumida veia. Mas nada lhe tirava o ânimo, seu coração era muito amoroso. Não importava se fosse em seu local de atendimento ou por muitos quilômetros porquanto também administrava medicamentos.
A farmácia de Victor da Silva Teixeira estabelecia-se no local denominado “Coqueiros”, neste período, meus pais moravam no Bairro Bonsucesso,. A distância nos separavam em torno de doze quilômetros, estradas rudimentares e nem sempre um veículo a disposição – a vida muitas vezes em jogo. Isto quer dizer que dificultava em muito a sistemática aplicação muscular e endovenosa o que proporcionou a meu saudoso pai, ( Richeto Menuchi) os ensinamentos professoral de Victor para o desenleio de que se fazia necessário.
Quando nos mudamos para o Bairro Cerâmica encontrei a caixa de seringa, agulhas e demais componentes. Ensimesmado pus-me a pensar. Alguém disse “o ser humano nasce bom a sociedade o estraga”.
Não acho uma rígida verdade, em minhas boas décadas de vida encontrei boníssimas pessoas e lendo Bertolt Brecht:
“Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos anos; e são melhores ainda;
Porém aqueles que lutam toda vida; esses são imprescindíveis.
Estou seguro em afirmar que o farmacêutico Victor da Silva Teixeira se enquadrava como imprescindível.
ANÍZIO MENUCHI